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Por Maurício Paroni de Castro

Postais de São Paulo

Para uma cartografia emocional a ser descoberta e desenhada

Alguém já se perguntou porque cartões postais e pessoas famosas são tão diferentes quando vistos ao vivo? Há milhões de explicações para isso. Entretanto, quero empregar essa idéia para demonstrar o que vejo de melhor em são Paulo. Cidade que, convenhamos, não tem o seu forte nos cartões postais.

Meu trabalho me levou a morar muito tempo fora do brasil. Foi o meu Hobbie de então ( perambular pelas cidades ao acaso), mais a leitura de um brilhante ensaio de um filósofo alemão com a mesma mania (Walter Benjamin) que me viciou definitivamente em caminhadas à deriva pelas cidades.

Em "Rua de mão única", Benjamin praticamente enuncia que somos obrigados a nos localizarmos a todo instante, mesmo se desejarmos nos perder. Nem um porre nos tira da linha. Somos condicionados a seguir placas de trânsito, indicações de direção, semáforos. Por extensão, seguimos modismos, tendências estéticas, manias coletivas, turismo de massa. Viajamos milhares de quilômetros para posar diante de um cartão postal.

A coisa vem de longe. Quem quer que tenha visitado qualquer ruína de cidade romana com atenção, terá sempre notado uma rua de norte a sul chamada "cardum" e outra de leste a oeste chamada "decumanum", com paralelas do mesmo nome. Ao conquistar e manter um império de dimensões continentais, os romanos faziam de tudo para localizar-se sempre. Seus atuais herdeiros, os norte-americanos, também têm essa mania. Se você visitou New York, mesmo desatento, notou que a cartografia urbanística é a mesma: um tabuleiro de xadrez.

Infelizmente perde-se muito com isso. A sensação de desorientar-se em Mahakesh, onde pode-se tranqüilamente fantasiar raptos, escravidão branca e coisas afins, ficou fora de moda. É bem mais comum um executivo de folga (de um dia) na Itália conhecer alguma lojinha globalizada em Veneza do que se perder naquela maravilha e descobrir que o melhor dali não são os museus, canais ou gôndolas: são os bares atrás de portas de residências comuns. Oferecem uma infinidade de petiscos marinhos ("cicchetti") inimitáveis, acompanhados de honestos vinhos brancos ("ombretta de vin") e fofocas terríveis sobre a cidade. Enfim, perde-se muita cultura.

Vamos adiante. O ensaio de Benjamin sugeriu-me algo ainda maior: a existência, em qualquer cidade e nas pessoas dessas cidades, de uma cartografia emocional a ser descoberta e desenhada. É muito mais emocionante lembrar-se da primeira tentativa parisiense de paquera (com óbvias conseqüências desastrosas) em algum bar medíocre do que reconstruir uma visita com excelente guia turístico à Torre Eiffel. Às margens do Império, nós também herdamos a mania de nos localizarmos, embora as coisas sejam mais difíceis por aqui. Tudo faz supor que a cidade seja feita para se perder e finalmente comprovarmos a utilidade do gps de pulso, que fatalmente virará uma moda.

São Paulo tem poucos cartões postais, uns três ou quatro. Alguns museus e bons restaurantes, mas nada que suplante qualquer grande cidade mundial. Mas vira imbatível se praticarmos o raciocínio da perda e, munidos com a coragem da própria criatividade, aventurarmo-nos além dos Jardins. Acharemos uma coisa incrível dentro de nós mesmos. Essa cartografia emocional nos levará à maior riqueza cultural de nossa cidade: as pessoas.

Por exemplo, na Móoca há um espanhol que praticamente introduziu a produção do churro em São Paulo - e marcou a nossa infância para sempre. Mais precisamente, ele "inventou" a máquina que molda a massa do churro diretamente na frigideira a partir de um simples furo numa lata de óleo. Pequenas emoções: a máquina é a mesma há mais de quarenta anos; ele só abre nas sextas e sábados, das três às dez da manhã; o lugar fica cheio de notívagos simpáticos e trabalhadores; o café é perfeito para qualquer ressaca e acompanha o churro, levemente agridoce, como na Espanha; o lugar nunca foi reformado e é imitado pelo fake dos Jardins; é praticamente impossível ser assaltado por ali. Como a lugares assim provavelmente vamos só com pessoas muito próximas ou no início de um bom grau de intimidade, aí está um dos pontos cardeais ( o "cardum" ) da nossa geografia emocional.

Fica aqui a minha dica cultural: elaborarmos a nossa cartografia. Como ela é pessoal, dividirei com vocês a minha. Mas só tem graça se for pessoal. Por isso não dei o endereço físico. Simplesmente fui levado por amigos e pelas saudades de uma infância em São Paulo quando vinha para cá de férias. Uma sugestão: ache um modo de se perder no caminho do trabalho, congelado pelo quotidiano. Certamente você vai achar um romantismo real sem pieguice ou banalização. Todo mundo é único.

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